Thursday, January 11, 2007

Batman Begins - Crítica


A Warner Bros é uma das maiores industrias produtora de filmes do mundo. É dona também da DC Comics, a maior editora de quadrinhos norte-americana ao lado da Marvel Comics. A DC publica, entre outros, personagens como Batman, Super-Homem e Mulher-Maravilha, três dos maiores ídolos da cultura pop mundial do último século. No portifólio destes heróis, existe uma gama considerável de histórias clássicas, como O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, A Piada Mortal de Alan Moore e Brian Bolland, Asilo Arkham, de Grant Morrison e Dave McKean e O Reino do Amanhã de Mark Waid e Alex Ross. Histórias que, cada uma a seu tempo, redefiniram o conceito de histórias em quadrinhos.

Criado em 1939 por Bob Kane, para protagonizar uma história policial do número 27 da revista Detective Comics, o Batman surgiu da necessidade da DC em ter um herói humano para contrapor e, ao mesmo tempo, aproveitar a popularidade do Super-Homem, nascido um ano antes. Dentre outros, Kane inspirou-se em diversos personagens na concepção do seu Batman, como o Fantasma e o Zorro, além do filme The Bat, (Roland West, 1926) e do programa de rádio O Sombra. E o Cavaleiro das Trevas, a partir de então, pôde ser visto não apenas nas histórias em quadrinhos, mas também em adaptações para séries de TV e cinema durante os anos 40-60. Nada que mereça maiores comentários, sob o risco de constranger os fãs mais radicais do Homem-Morcego.

Em 1989, surge a franquia Batman, sob o comando do talentoso Tim Burton, filme que praticamente inicia uma nova era marcada por adaptações de hq´s. Gênero que foi absolutamente consolidado no final da década seguinte, com o êxito comercial alcançado pela iniciativa da Marvel Comics em criar uma produtora voltada para a realização de filmes de super-heróis em parceria com grandes estúdios, como a Fox e a Sony Pictures. Daí nasceram fenômenos como X-Men (Brian Synger, 2000) e Homem-Aranha (Sam Raimi, 2002). Por uma fatalidade conhecida como Joel Schumacher, a série Batman foi abruptamente interrompida no 4º episódio, em 1997, quando o diretor insistiu em levar adiante sua obsessão (concebida dois anos antes com Batman Eternamente) pelo visual e clima camp do infame seriado do Homem-Morcego da década de 60 (aquele com Adam West e Burt Ward). Desde então o mundo pensava que o Cavaleiro das Trevas havia finalmente tombado em uma derrota definitiva. Ledo engano. Eis que uma pequena luz ainda se fazia brilhar no canto mais escuro da Bat-Caverna. E um sinal luminoso rasga novamente os céus de Gotham City.

Aparentemente o sucesso da editora concorrente abriu os olhos da Warner, que numa jogada arrojada, resolveu levar às telas mais uma vez os dois carros chefes de suas publicações, Batman e o ícone Super-Homem. Para dar nova vida ao Homem-Morcego, a Warner convocou o roteirista David Goyer (da trilogia Blade), profissional do mercado norte-americano de hq´s (ele co-escrevia ao lado de Geoff Johns o título Sociedade da Justiça, da DC Comics), Goyer resolveu que a melhor forma de recuperar o prestígio do Batman nas telonas era apagar completamente da cronologia do herói os demais filmes da série e trazer tudo de volta as origens. Assim nasce Batman Begins, o filme que re-define o universo sombrio do Cavaleiro de Gotham nos cinemas, mostrando a origem do herói, quem ele é e como veio a se tornar o maior combatente do crime de todos tempos.

A história de Batman Begins é livremente inspirada em duas graphic novells, Batman - Ano 1, de Frank Miller (criador e co-diretor de Sin City)/David Mazzuchelli, e O Longo Dia das Bruxas, de Jeph Loeb/Tim Sale. Ambas retratam o início de carreira do Homem-Morcego e sua luta para limpar Gotham do crime organizado, da corrupção nos altos escalões da polícia, da decadência moral e inércia da sociedade. Mas pode-se perceber referências à outras mini-séries do personagem, como O Messias, de Jim Starlin/Bernie Writighson e a já citada O Cavaleiro das Trevas. Batman Begins começa no período anterior aos eventos de Batman -Ano 1, quando o jovem Bruce Wayne (Christian Bale), após o brutal assassinato de seus pais, parte numa jornada solitária ao redor do mundo em busca de conhecimento e propósito. Uma busca que o levou a compreender o funcionamento da mente criminosa, que lhe deu as habilidades necessárias para combater a injustiça, a determinação para atingir seus objetivos, mas que jamais lhe trouxe o único fator que nunca conseguiu encontrar, a paz de espírito. Após intensivo e árduo treinamento com seu mentor, o homem conhecido como Henri Ducard (Lian Neeson), Wayne volta para sua cidade apenas para encontrá-la numa situação ainda pior do que antes, padecendo de absoluta decadência, caos e a um passo do total colapso moral e econômico. Decidido a tomar ás rédeas da justiça em suas próprias mãos e conhecendo a natureza covarde e supersticiosa dos criminosos, adota um símbolo capaz de instigar pavor no coração dos mal-feitores. Começa então a jornada de Batman para re-erguer uma cidade sem esperança e garantir que o aconteceu com ele jamais se repita com qualquer outra pessoa. Mas vamos voltar um pouco ao início.

Quem pensou em um Batman levemente parecido com o personagem da franquia anterior, teve uma grande decepção - ou, a depender da perspectiva, satisfação - logo nos primeiros minutos de projeção. No início, Bruce Wayne é atacado por seis presidiários em uma penitenciária qualquer de algum país oriental. E o milionário simplesmente quebra os marginais em pedaços. E é aqui que vemos a primeira mostra do que o diretor inglês Christopher Nolan pretende trazer à série. A luta é brutal, rápida, com cortes ainda mais rápidos. Em certo momento, durante outra luta, Ducard fala à Wayne: “Você é habilidoso, mas isto não é uma dança”. Ou seja, esqueçamos as centenas de lutas com um kung fu coreografado na base de saltos impossíveis e muitos cabos pendurando os atores para lá e para cá. O que o diretor nos mostra é um Batman enraivado, que chega, arrebenta os meliantes e sai, deixando os marginais destruídos no chão sem sequer saberem o que os atingiu. E nós, espectadores, ficamos com a mesma sensação. Esta abordagem realista (na medida do possível e do bom senso, tratando-se de uma adaptação de hq) adotada por Christopher Nolan revelou-se a decisão mais acertada em sua direção. Autor dos excelentes Aminésia (2000) e Insônia (2002), no qual Nolan já provara sua habilidade em lidar com sujeitos perturbados e com tramas policiais (sim, Batman Begins também flerta com o noir), o diretor resolveu colidir o universo fantástico que norteia o gênero com sua visão muito peculiar sobre o vigilante urbano. Acostumado com narrativas não-linear, o diretor soube conduzir com segurança as idas e vindas do passado ao presente de Bruce Wayne sem causar confusão ao espectador. Tudo, absolutamente tudo em Batman Begins tem sua explicação calcada na realidade. Desde a descoberta da Caverna ao uniforme e o carro. O Batman de Nolan é um homem sujeito a erros, longe de ser aquele personagem perfeito e infalível que os leitores se acostumaram a ler depois de O Cavaleiro das Trevas. E desta imperfeição (ou seria humanidade?) surgem várias boas idéias, como a explicação para o uso da capa e outros acessórios.

A primeira aparição do Batman é conduzida como se fosse um filme de terror. Um filme em que o monstro espreita as vítimas e ataca um a um, sem nunca ser visto pelo espectador, e este estilo de direção pode ser observado em outras passagens, como a seqüência que culmina no interrogatório do Batman sobre o Dr. Crane sob efeito do gás do medo, e no final, com os lunáticos do Asilo Arkham espalhando pânico em Gotham como uma turba de mortos-vivos no melhor estilo George Romero. Fotografado por Wally Pfister, a atmosfera opressiva e caótica de Gotham é realisticamente retratada. Imagens sub-expostas e câmera na mão em momentos de luta dão a sobriedade necessária e realçam a aura de mistério que envolve a cidade e seu protetor, e grandes planos-gerais das montanhas e geleiras aproveitam a belíssima paisagem natural. E uma vez que Nolan brinca com esta mistura de gêneros, temos um filme embalado por uma trilha sonora grandiosa e heróica, retratando em certas passagens este clima de suspense e terror. Grande destaque para os efeitos sonoros durante todo o filme. Na luta no presídio, ao invés de uma trilha incidental, há apenas os ruídos de golpes e ossos quebrando, adequando-se à linha realista adotada por Nolan. E o mais importante, sem dúvida nenhuma, é que pela primeira vez, o Batman é o personagem principal do seu próprio filme. Ele, e somente ele, é o centro das atenções. Quanto ele surge, sua presença é marcante, impactante, e a trama ocorre em torno da sua imagem enquanto homem e herói.

A direção de arte, trilha sonora, cenografia e a fotografia do Batman do Burton são impecáveis. Mas só isso. O roteiro é pífio, as atuações insatisfatórias, o personagem secundário de um repórter de Gotham obteve mais destaque que o Wayne de Michael Keaton, e o Jack Nicholson teve uma boa performance como o Coringa, ainda que exagerada. O Batman em si ficou em segundo plano e isso se constituiu num grave erro. Como adaptação de Batman, Burton compôs um belo conto expressionista. É muito pouco e muito particular. Ele ficou tão obcecado pelo apelo estético e formal que até colocou o nome de um dos personagens em homenagem ao ator do cinema alemão Expressionista, o Max Schreck (que fez Nosferatu). Lembrou da forma, que realmente tem seus méritos, e esqueceu do conteúdo. Batman Begins é superior em tudo. É até injusta a comparação. O Burton em sua psicose, ao invés de fazer um filme do Batman, fez um filme autoral disfarçado de blockbuster, uma fábula gótica sobre o Coringa, que de vez em quando era atrapalhado por um anão vestido de morcego. Batman Begins é superior em tudo. Até na arquitetura de Gotham, mais para o lado do Mazzuchelli que para o lado do Fritz Lang.

Das recentes produções de filmes baseados em histórias em quadrinhos, Batman Begins, ao lado de X-Men 2, foi a que apresentou o roteiro mais consistente. Em princípio valendo-se do recurso de flashbacks para retratar a juventude de Bruce Wayne, Nolan consegue imprimir um ritmo adequado, alternando seqüências mais rápidas, um claro recurso de economia narrativa, ao retratar, por exemplo, o treinamento de Wayne no Oriente, com seqüências mais longas, como toda a preparação para o assassinato do Casal Wayne, conduzida de modo a estabelecer um sistema de causa e efeito comum à narrativa clássica. Esta seqüência por si só é emblemática. Minutos antes da tragédia, o pequeno Bruce e seus pais assistiam uma ópera no teatro. Ali, alguns dos figurantes então fantasiados de morcego, numa clara homenagem ao filme The Bat, já citado como uma das inspirações de Bob Kane para criar o Batman. Assustado com a imagem dos morcegos (em conseqüência da primeira seqüência do filme), Bruce pede ao pai para ir embora e na saída ocorre o fatídico assassinato. O roteirista optou por substituir deliberadamente o ambiente do cinema (na sua origem oficial, os Waynes saíram de uma exibição do filme A Marca do Zorro) pelo da ópera. Acontece desta ópera ser uma encenação de Mefistófeles, inspirada em Fausto, do escritor alemão Goethe. Esta história narra a trajetória de um homem que faz um pacto com o demônio. Simbolicamente, Bruce Wayne estaria representando Fausto, que alia-se - em princípio - e adquire inúmeras habilidades devido à Liga das Sombras de Ra´s Al Ghul, que seria a representação do Demônio, uma referência até mais explícita, uma vez que o nome do vilão, em árabe, significa “A Cabeça do Demônio”. Felizmente Bruce volta atrás no seu pacto ao recusar-se a matar o fazendeiro aprisionado pela Liga, mantendo-se firme em sua busca por justiça.

Ao nos apresentar a história prévia do jovem Bruce Wayne Nolan e Goyer foram muito generosos. Na primeira hora de projeção até esquecemos que se trata de um filme do Batman. Não da mesma forma como Burton fez em seus filmes, priorizando o desenvolvimento dos vilões, porque somos recompensados com uma caracterização impecável de Bruce Wayne. Suas motivações, o que o levou à jornada de auto-conhecimento, o seu treinamento, o esforço para canalizar sua raiva em algo que faça sua vida valer a pena, e, mais importante, a culpa que o levará à consumar seu destino final, tornando-se o Batman. O plano de Ra’s Al Ghul (Ken Watanabe, de O Último Samurai), um dos vilões da trama, pode à primeira vista parecer um pouco complexo, mas é de acordo com sua a natureza e Ra’s é um personagem por si só complexo. Criado por Dennis O´Neill e Neal Adams, Ra’s Al Ghul sempre se mostrou o mais perigoso inimigo do Batman e nas palavras do próprio Homem-Morcego, na história O Legado do Demônio: “Ra´s Al Ghul faz o Coringa parecer um trombadinha”. Não se sabe exatamente sua idade verdadeira, pois nas hq´s Ra’s é imortal, e assim como no filme, considera que Wayne é o homem mais capacitado para liderar sua Liga dos Assassinos (no filme, Liga das Sombras). Mas Goyer traz esta abordagem à tona envolta num mistério, nunca revelando a verdadeira natureza do vilão. Não cabe comentar mais nada a respeito do personagem, sob a pena de estragar uma das boas surpresas da trama, mas que os fãs das hq´s fiquem tranqüilos, apesar de torná-lo um personagem mais real, o verdadeiro “Cabeça do Demônio” está no filme, o terrorista fanático, idealista e impiedoso que conquistou até mesmo a admiração do Cavaleiro das Trevas.

O elenco de apoio de Batman Begins é um dos grandes trunfos do filme, revelando-se formidável e habilmente escolhido. Não há como não destacar o mordomo Alfred vivido por Michael Caine, ator ganhador de dois Oscars de melhor ator co-adjuvante por Hanna e suas Irmãs (Wood Allen, 1986) e Regras da Vida (Lasse Hallström, 2000). Seu fino humor inglês traz um charme especial ao personagem. E é comovente a relação pai e filho entre Alfred e Bruce. Em determinado momento, ao ver o Batman agonizando sob o efeito do gás do medo, percebemos os olhos do velho mordomo marejados e o semblante expressnado uma genuína preocupação, como se ali ainda estivesse o “pequeno Bruce”.

O sargento James Gordon, do Departamento de Polícia de Gotham City, e futuro comissário da cidade, é encarnado pelo camaleão Gary Oldman, famoso por viver vilões em filmes como Drácula de Bram Stocker (F. F. Copolla, 1993) e O Profissional (Luc Besson, 1994). Em Batman Ano 1, Gordon é praticamente um dos protagonistas da trama. Aqui, ele assume o seu lugar de direito, o de grande aliado do Batman na luta para limpar Gotham da corrupção. Oldman compõe um personagem desiludido e sem esperanças, um dos únicos tiras honestos em uma cidade apodrecida. No melhor estilo Serpico, Gordon não se deixa esmorecer, agarra-se na chance de fazer a diferença pela primeira vez em sua vida, mesmo com a desconfiança inicial e natural em relação ao seu novo aliado. A dinâmica Gordon/Batman merece destaque. É muito fiel às origens nas hq´s. E o diálogo final entre os dois fará os fãs pularem da cadeira ao perceberem a referência explícita ao Ano 1.

Morgan Freeman, recém ganhador do Oscar de melhor ator co-adjuvante por Menina de Ouro (Clint Eastwood, 2004)) faz Lucius Fox. Nos quadrinhos o executivo mais importante da Wayne Enterprises e um dos mais antigos amigos de Bruce Wayne. Em Batman Begins, Lucius foi parte da diretoria na época em que Thomas Wayne ainda era vivo, mas atualmente ele é o “Q” de Wayne, Bruce Wayne. É Fox quem garante a Wayne o suprimento de equipamentos e tecnologia de ponta necessários para o início da cruzada. E Freeman o interpreta de forma inteligente e simpática, além de muito bem humorada.

Lian Neeson, ao que parece, está aperfeiçoando-se na arte de treinar jovens aspirantes à herói. Depois de ensinar tudo que sabe ao jedi Obi Wan Kenobi, agora tornou-se Ducard, mentor de Bruce Wayne. Nos quadrinhos, um mercenário francês que ensinou Wayne a arte da dedução e do rastreamento, criado ironicamente por Sam Hamm, roteirista do Batman de Tim Burton, na história Justiça Cega. O personagem de Neeson é o típico sensei. Sábio, eficiente e rigoroso, mas ao mesmo tempo emprega um semblante cruel e impiedoso ao seu personagem, que consegue inspirar simpatia e admiração, ao mesmo tempo que temor e desconfiança.

Cillian Murphy,conhecido pelo seu papel em Extermínio (Danny Boyle, 2002), faz o psicótico Dr. Jonanthan Crane. Nos quadrinhos, o vilão conhecido como o Espantalho e em Batman Begins, o responsável pelo Asilo Arkham para Criminosos Insanos. A alusão ao Espantalho é o que mais se afasta do realismo pretendido em Batman Begins. Em grande parte devido aos efeitos provocados pelo gás do medo que o doutor sintetiza e aplica como teste nos internos do Arkham. Murphy vai de encontro às caracterizações de vilões normalmente vistas nas adaptações. O Dr. Crane, apesar de insano, não é dado a exageros, histeria e gargalhadas cartoonescas. Ao contrário, é contido e controlado a maior parte do tempo.

Kate Holmes, a eterna adolescente do seriado Dawson’s Creek e atual conjugue do astro Tom Cruise, faz Rachel Dowes, assistente da promotoria, e ponto fraco de um elenco quase perfeito. Em princípio, ela parece muito jovem para o papel. Justamente por mostrar-se uma promotora engajada e eficiente, seu tipo físico jamais passa a verossimilhança e credibilidade necessárias. Não é que ela seja desprovida de talento, apenas parece uma escolha inadequada. Sua personagem, entretanto, reserva alguma importância na evolução de Bruce Wayne ao longo da trama. O motivo é que Rachel foi concebida para ser mais do que um mero interesse romântico. É ela quem distingue para um confuso e transtornado Bruce Wayne a diferença entre vingança e justiça. “Justiça diz respeito a harmonia, vingança diz respeito a você tentando se sentir melhor” fala a moça, minutos antes de esbofeteá-lo na cara ao saber que o milionário pretendia executar o assassino de seus pais. Um momento fundamental importância na formação do caráter e concepção da persona do Batman. Rachel foi levemente inspirada na personagem Rachel Caspian, da série Batman Ano 2, escrita por Mike W. Barr e em seu caráter incorporou elementos do promotor público Harvey Dent, que deverá estrear na série futuramente.

E se foi mencionado anteriormente que finalmente vemos o verdadeiro Batman em ação, há de se destacar com louvor a performance do ator galês Christian Bale. Elogiado por papéis em produções independentes, mas não tão famoso no mainstream, seus trabalhos mais conhecidos são em Psicopata Americano (Mary Harron, 2000) e, anteriormente, o garotinho de O Império do Sol, de Steven Spielberg. Seu empenho para encarnar o herói foi tamanho, que o ator precisou recuperar em um curtíssimo período de tempo os 27 Kg perdidos para interpretar seu último personagem, no filme O Operário (Brad Anderson, 2004). O curioso é que se agregarmos as características de seus personagens em Psicopata Americano e Equilibrium (Kurt Wimmer, 2002), forma-se um perfil desajustado do que Bruce Wayne poderia vir a ser caso fosse mais desequilibrado mentalmente. No primeiro ele encarna um empresário rico, maníaco e assassino, e no segundo um compenetrado, sério e habilidoso agente da lei. E em ambos, interpreta com muita competência. Em Batman Begins, Bale demonstra muita desenvoltura em compor um homem com três facetas distintas: o jovem e angustiado Bruce Wayne, o playboy que passa a imagem de futilidade para a sociedade e o Batman. E seu Batman é, tal qual nas hq´s, raivoso, brutal, furtivo, cerebral, aterrorizante, intimidador. A seqüência em que ele interroga o policial corrupto Flass é a tradução perfeita do que é o Batman, e como ele foi transposto de forma fiel à sua essência para o cinema. Ao final do filme, fica a certeza que Bale está para o Batman como Christopher Reeve esteve para o Super-Homem.

No entanto, é necessário observar que Batman Begins, apesar de agradar os fãs de hq´s, nasceu como um blockbuster e como tal deve levar em consideração as expectativas do público do gênero de ação. E neste ponto, o filme peca por não empolgar tanto quanto filmes como Homem-Aranha ou X-Men II. Não há aquela sensação de adrenalina total (apesar da ótima seqüência com o Carro) ou uma cena de luta apoteótica contra o super-vilão (na verdade existe a luta, mas pode não ser como as pessoas esperam). A seqüência final no trem é um tanto confusa devido aos cortes rápidos e esse conceito de montagem pode incomodar alguns nas seqüências de lutas, que aliados a fotografia escura e câmera aproximada, faz com que não se perceba claramente os golpes, socos e chutes. Isso é ainda melhor percebido se compararmos a diferença entre a maneira como é filmada as cenas de luta envolvendo Bruce Wayne, e as cenas de luta envolvendo o Batman. Tudo é muito melhor visualizado quando Wayne está em ação, como percebe-se na seqüência do presídio e do duelo de espadas sob o treinamento de Ducard. Porque este é um Bruce Wayne que ainda não foi totalmente lapidado, que está aprendendo a lutar e ainda não desenvolveu seus próprios métodos de ação.

Grande parte dos 130 milhões de dólares gastos na produção foram aplicados na construção do maior cenário in-door da história do cinema até então. Filmado em locações na Islândia, em Chicago e na Inglaterra, Nolan fez pouco uso de recursos de computação gráfica e aplicou a esta Gotham City um aspecto de cidade real, uma metrópole como qualquer outra que pode ser comparada à Nova York ou São Paulo. Destaque para as tomadas de maquete na perseguição com o Carro.

Mais do que a história de um homem obcecado por justiça, Batman Begins é um filme que redefine o conceito do gênero de histórias em quadrinhos. Seja por seu roteiro maduro e consistente, seja pela pegada forte do promissor Cristopher Nolan, que consegue estruturar as mais diversas tramas paralelas e conduzi-la para uma única intriga, de forma orgânica e, acima de tudo, elegante em sua construção. Ao final, restam algumas pontas que indicam um inevitável seqüência, e se o público aprovar (leia-se a bilheteria for satisfatória), seguindo a mesma linha que Batman Begins. A cena final deixa o Batman pronto para agir novamente. Que seja bem-vindo de volta então o Cavaleiro das Trevas de Gotham City.

Dirigido por Christopher Nolan. Com: Christian Bale, Michael Caine, Gary Oldman, Liam Neeson, Morgan Freeman, Cillian Murphy, Ken Watanabe, Tom Wilkinson, Rutger Hauer, Linus Roache, Katie Holmes, Mark Boone Junior, Rade Serbedzija.